Nosso plano era deixar o semi-árido do Karoo em direção à área mais verde da África do Sul e mais importante destino turístico do país, depois de Capetown e do Kruger Park: a Garden Route. Mas nossa viagem seria bem menos prazerosa do que imaginamos.
Lembram-se que Carla e eu tivemos o primeiro dia em que fizemos exatamente as mesmas refeições? Pois é, alguma delas (e jamais saberemos exatamente qual) nos fez acordar muitas vezes durante a noite para visitas a um cômodo específico da pousada onde estávamos, e fez ainda com que acordássemos com um mal estar horroroso e com sensação de febre.
Encontramos um no outro as forças para seguir com nosso plano, visitar o Vale da Desolação (Desolation Valey) e a reserva adjacente para ver nossos últimos bichinhos em seu ambiente natural.
De lá, ainda com náuseas e dores, resolvemos não esmorecer e encarar os quase quatrocentos quilômetros até Knysna, nosso primeiro destino na Garden Route. A estrada é muito bonita, pois começamos no semi-árido e depois chegamos às montanhas que seguram toda a umidade na costa. A transição dos tons de bege para os de verde é bastante abrupta e só a estrada em si é um show à parte.
A Garden Route (ou Rota dos Jardins), nada mais é do que um trecho da costa sul da África do Sul, a aproximadamente 300km de Capetown, onde existem várias cidadezinhas costeiras que devotam suas atividades quase que exclusivamente ao turismo.
Knysna talvez seja a mais famosa delas, tanto que não conseguimos encontrar lugar para ficar em nenhuma das opções que apareciam nos nossos vários guias (há dois que são distribuídos de graça nos albergues e pousadas, o Alternative Route e o Coast to Coast que têm se provado bastante úteis). Encontramos acomodação então em Plettensberg Bay, onde iríamos pela primeira vez desde Moçambique dormir duas noites no mesmo lugar.
Plett é um destino clássico para os que se formam no colegial ou na faculdade, então está forrado de jovens adultos querendo se divertir, especialmente nessa época do ano, o que dá uma atmosfera bem bacana para a cidade, onde pudemos aproveitar uma das coisas que mais gostamos: a praia.
Quer dizer, aproveitar as praias é um tanto relativo por três motivos:
1) O mar é bastante frio, então entrar na água se resume a momentos de muito calor ou para aqueles outros momentos que sabemos bem qual é. Deu até saudades das águas “quentes” de Florianópolis.
2) Não se pode tomar bebidas alcoólicas na praia. Quer dizer, a gente levou uma geladeirinha com cervejas e tomou mesmo assim, pelo menos até um policial dar uma bronca na gente. Por sinal, uma efeito curioso ficou claro. O público das praias muda conforme o horário. Durante a manhã, estávamos cercados majoritariamente por loiros. Conforme o maio da tarde vai se aproximando, os brancos começam a ir embora e a quantidade de negros aumenta bastante (parece que mesmo com o fim do apartheid eles não são muito chegados a se misturar mesmo). E é nesse momento que a “polícia” que checa se as pessoas estão bebendo se faz mais presente, talvez pelo fato de alcoolismo ser um problema bastante grave na áfrica do Sul, especialmente entre a população negra.
3) A área em que a gente pode efetivamente entrar no mar é delimitada por bandeiras. Quando fui perguntar para a salva-vidas (uma loirinha que deveria ter no máximo 18 anos) se era por causa das correntes ou algo assim, a resposta foi clara: “Essa é a área em que você deve nadar se não quiser ser comido por tubarões brancos”. Sim! A área da Garden Route inclusive é famosa pelos passeios em que você pode entrar em uma jaula e ser arremessado em meio aos tubarões brancos, entre outros tubarões, que mordem a grade e tudo. Carla e eu, por alguma razão, não conseguimos encaixar esse passeio em nosso programa, mas não foi por medo!
À noite, resolvemos nos juntar aos outros turistas do nosso albergue para o tradicional braai sul-africano, um churrasco coletivo, todo mundo colocando suas carnes na mesma grelha e batendo papo ao redor do fogo. É verdade que as pessoas riram um pouco do fato de a gente ter colocado vegetais inteiros e uma banana na grelha, mas nós também rimos das espigas de milho inteiras que eles colocavam. E os que provaram a banana com canela e açúcar adoraram!
Na manhã seguinte, o lindo sol havia ido embora, então aproveitamos a manhã nublada para tomar coquetéis na beira da água em Knysna, onde além de uma reserva florestal e várias atividades de ecoturismo, há uma ilha em uma laguna com casinhas de madeira, lojas, restaurantes e muitos barcos. O cenário era muito diferente do que esperávamos do continente africano, e remetia muito mais à costa leste dos Estados Unidos.
Dirigimos então para Mossel Bay, onde passaríamos a próxima noite. O sol havia voltado, e até arriscamos uma praia, mas o vento estava muito forte, então nos contentamos com comer frutos do mar e beber vinho enquanto olhávamos uma piscina natural, as pessoas passando e os bravos (pelo frio e pelos tubarões, surfistas que tentavam pegar uma onda.
Acordamos cedo para cruzar as montanhas de novo, no sentido contrário, e chegar a Oudtshoorn, que era conhecida como a capital do comércio de penas de avestruz no início do século XX e que também possui muitas atrações para nós, turistas.
Nosso primeiro passeio foi pelas Cango Caves, uma caverna onde possuímos duas opções de tour: o Standard, que visita apenas as galerias amplas (indicado para pessoas com claustrofobia) e a de aventura, que inclui se espremer por passagens muito estreitas que chegam a ter apenas 25 cm. Esse mural na porta dá bem a dimensão do que é o tamanho de uma pessoa e o tamanho da passagem.
Claro que eu escolhi a de aventura. Carla, mais prudente e com receio de descobrir ter claustrofobia, escolheu o passeio mais light, o que fez com que nos separássemos, mas ainda assim aproveitamos a beleza do lugar. A caverna é extensivamente utilizada poara turismo. Nas galerias mais amplas, o chão é inclusive calçado, e a farta iluminação permite com que tenhamos uma visão bem interessante de todas as estalagmites e estalactites.
A parte de aventura realmente é um pouco puxada. Tive que me espremer bastante para entrar nos buracos diminutos, mas só passar pela experiência de deslizar nas aberturas mínimas e ter que rastejar ao invés de andar já me deixou sorrindo de orelha a orelha.
De lá, fomos para o Cango Wildlife Ranch, uma espécie de centro de conservação de guepardos (ou cheetahs) e que também faz as vezes de zoológico. É pequeno, mas o interessante foi a possibilidade que eles dão (mediante pagamento extra, claro) de entrar nas jaulas de alguns dos animais.
Antes do nosso contato com os bichos, porém, uma paradinha para comer espetinhos de crocodilo e avestruz.
Para visitar, e não comer, nossa primeira escolha foi, obviamente, o guepardo. Ele estava com um pouco de preguiça de interagir, e basicamente só ficou ali olhando com cara de tédio, e ainda tirou uma soneca. Depois que saímos da jaula, ele até se dignou a levantar, mas enquanto estávamos ali dentro ele apenas se deixou acariciar e ronronou. Mas gatos são assim, mesmo, voluntariosos e lindos, não importa o tamanho.
Nos divertimos bastante com os sapecas lêmures, que, mal havíamos entrado, já estavam subindo nos nossos ombros e interagindo com a gente, muito curiosos e interessados nos pedacinhos de maçã que nosso guias levavam. Eles são bichinhos muito estranhos, primatas com uma cara que parece de cachorro, olhos de louco e patas extremamente macias.
Visitamos também o serval, um outro felino, mais ou menos do tamanho de uma jaguatirica, que estava menos blasé e mais participativo do que o guepardo.
De lambuja, nossos guias, que amam o Brasil, deixaram a gente passar a mão rapidinho no filhote de tigre e tiraram fotos do filhote de caracal que estava por ali também.
Demos sorte também quando fomos ver os crocodilos, pois este centro recebe voluntários, e pudemos acompanhar o instrutor dos voluntários ensinando como alimentar esses bichões pré-históricos de forma a garantir que todos comam, e acabamos aprendendo os nomes e a personalidade de alguns deles. O grandão, por exemplo, é o Bob.
Passeando pelo minizoo, pudemos ver vários animais, alhguns muito fofos, como o suricate, e outros muito feios, como o marabu ali embaixo.
No dia seguinte, antes de colocarmos o pé na estrada para a Cidade do Cabo, visitamos uma fazenda de avestruzes, onde além de informações (não muita, é verdade) sobre esses bichões, pudemos montar em um.
Agora, depois de tanta coisa em tão pouco tempo, só nos restava nosso último destino, a capital turística da África do Sul. Nossas expectativas e planos para Capetown eram grandes. A gente conta no próximo post.
Você Sabia?
Os guepardos, ou cheetas, têm na velocidade sua principal arma para caçar suas presas. Eles conseguem atingir velocidades de até 100km/h em três segundos (uma performance de fazer inveja aos pilotos de fórmula 1). As adaptações e especialização para atingir velocidades tão extremas, entretanto, têm seu preço. É comum ver os guepardos perdendo seu jantar para hienas, leões e outros predadores simplesmente porque eles não podem arriscar sofrer ferimentos que fariam com que perdessem velocidade.
Teste seu Conhecimento:
Os lêmures com os quais brincamos não são animais endêmicos da África do Sul. Todas as mais de 80 espécies deste animal vivem em um mesmo lugar. Onde?
a) Austrália;
b) Nova Zelândia;
c) Madagascar;
d) Quênia;
e) Sri Lanka.
Resposta do Post Anterior:
Acertou quem disse Zulu e Xhosa, que são as línguas maternas de 22% e 16% da população da África do Sul, respectivamente. Todos os sul-africanos devem estudar inglês, africâner e uma língua negra nas escolas.